
A Um Audaz Navegante
Para R.
Que simetria, bela e terrível,
nos faz apreender no olhar do outro o mesmo abismo?
Nos ombros, a mesma curvatura?
Bem conheces
Aquele... algo-ali, o grão de sal entranhado na carne
As tais sombras que flamulam sob a superfície
Sem nome
Criaturas que a tinta fria não captura
Compreendes a sensação
De pedra montanha abaixo
De estrangeiro em próprio porto,
Homem-ao-mar,
Filho da deriva sob o sol
Bem lembras
Quando olhávamos pro alto,
Procurando nas estrelas uma ilusão de permanência
Que guiasse nossos lemes
Mas quando o céu nos recusou compreensão
Buscamo-la em outras, mais humanas, cartografias
Fingindo direção
Seguimos a rota de todo homem
A bússola que nos é imposta
O inevitável norte
E sua derradeira rima
Cúmplice-de-oceano,
O círculo do tempo é implacável
Tal qual o círculo celeste
Tantas ilhas ainda desconhecidas
Mares nunca dantes navegados
Tantos litorais ausentes de nossos mapas
E tão pesadas as âncoras
E tão curtos os nossos remos
Mas o que resta ao navegante
Se não encontrar sereno na intempérie
Luminescência na profundeza
Respiro no rebento da ressaca?
Bem sabes
Quão fugidios são nossos momentos
Vão passando e passando e passando
Cada um com uma joia
Enquanto tentamos apanhá-los
Antes do abismo
Irmão-de-mar,
Escrevo hoje esta epístola
Ouso uns dois ou três elogios
Para que os ouça como concha
(E que Destino me poupe
de escrever tua elegia)
Mas hoje?
Hoje, vivemos
Ainda temos o sol
e temos a pele
e temos as taças
O vento às nossas velas
Temos tudo para ter o amanhã
Estupidez,
Teimosia,
Audácia,
Braços para empurrar a pedra
um pouco mais
Temos ainda a coragem
De contemplar de volta o abismo
Ou, se não,
De ao menos compreender no olhar do outro
As mesmas sombras
Que terrível
e bela
simetria.