A Longa Estação

 

penso nos ponteiros parados,

a doçura fraterna de outrora:

ora fratura de tempos passados

quantos cálices quebramos

em brados, brindes, abraços?

a sós agora, embaraços,

sombrios, calamos.

imagino anjos indiferentes

entes feridos, doentes,

sob sete palmos

salmos proferidos eloquentemente

crente e gentio pedindo ao pai e ao filho

pão, despedida, a unção perdida

na estação do exílio.

senhor,

que reza nos resta?

que crença ou credo redimiria

a miríade funesta neste país?

senhor,

que importa à erva

que lâmina a corta rente à raiz?

seguimos à guisa dos ermos, 

de sermos assuntos encerrados,

errantes, definhados, enfermos,

defuntos adiados

odiando o estar-só-e-estar-são

na estação do pó.

não rezo por socorro

só recorro à raiva, à rima

para rasgar as resmas deste enredo

(e dizer): 

o medo desse hades há de se arrefecer

e ser história, recordação, resquício, memória

da estação do precipício.

em sonho, surpreso, me ponho a sorrir

ao sol, ileso, sinto aquele abraço

que há de se abrir:

brisa soprando a bruma

ápice por vir

a ânsia, a onda sob a espuma

para, uma a uma, 

subtrair 

cada ausência hedionda

e a distância que se dizia vastidão

no dia em que verei, desperto,

se esvair esta

longa,


longa estação.

 

(Publicado na antologia Poesia Verão, Editora Trevo, 2021)

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